Estado brasileiro pede desculpas na Corte Interamericana por violações de direitos humanos relacionadas à morte de 96 bebês em Cabo Frio
Corte Interamericana julga Brasil por mortes de recém-nascidos
O Estado brasileiro, através da Advocacia-Geral da União (AGU), pediu desculpas por violações de direitos humanos relacionadas à morte de 96 bebês em Cabo Frio. O pedido ocorreu nesta sexta-feira (26) durante o julgamento do caso “Mães de Cabo Frio vs. Brasil”, na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
A audiência ocorre em Assunção, no Paraguai, e apura violações relacionadas à morte de ao menos 96 recém-nascidos na UTI neonatal da Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel), em Cabo Frio (RJ), entre 1996 e 1997.
Em nome do Estado, a advogada da União Ílina Pontes, da Procuradoria Nacional da União de Assuntos Internacionais, reconheceu falhas na fiscalização e afirmou que a clínica funcionava sem as devidas autorizações.
“Essa omissão representa uma violação da obrigação estatal de garantir a proteção das crianças, sobretudo as que se encontram em instalações hospitalares, ainda que privadas”, disse.
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Pontes também pediu desculpas por manifestações consideradas discriminatórias de autoridades de saúde durante a apuração do caso.
“As manifestações do Ministério da Saúde incorporam estereótipos de gênero que não se coadunam com a tradição histórica de respeito e acolhimento que marcam o Sistema de Saúde de nosso país. Por esse motivo, o Estado brasileiro pede, de maneira solene, desculpas às Mães de Cabo Frio e aos seus familiares”, completou.
Corte Interamericana julga Brasil por mortes de recém-nascidos em UTI de Cabo Frio nos anos 90
Ester Vagas
Sobre a acusação de violação às garantias judiciais e proteção judicial, a AGU sustentou que o Estado Brasileiro adotou as medidas legalmente cabíveis, promovendo a investigação e propondo a ação penal em relação à morte dos 96 bebês. Os investigados foram, posteriormente, absolvidos pela Justiça.
“O Estado compreende que as garantias judiciais foram devidamente oferecidas em relação aos fatos objeto da presente demanda”, afirmou Pontes.
Durante o julgamento, os representantes do Estado brasileiro também afirmaram o desejo de retomar os diálogos com os familiares das vítimas na tentativa de construir uma solução consensual para o caso.
“Um acordo que possa atender, de forma adequada e proporcional, aos interesses dos familiares, aos limites procedimentais do caso, à realidade institucional do país e aos parâmetros interamericanos de proteção aos direitos humanos”, ressaltou o representante do Ministério das Relações Exteriores durante as alegações orais.
Apesar dos pedidos de desculpas, a AGU lembrou que a maioria dos fatos relacionados ao caso e as possíveis violações deles decorrentes estão fora da jurisdição temporal da Corte IDH, pois são anteriores à adesão do Brasil à jurisdição contenciosa da Corte, em 10 de dezembro de 1998, sem efeito retroativo.
O que está em julgamento
O caso foi revelado em 1997 após denúncias de familiares. Segundo a ONG Justiça Global, que representa as mães, os bebês foram vítimas de infecções hospitalares decorrentes de práticas incompatíveis com padrões básicos de vigilância sanitária.
As acusações contra o Brasil incluem falhas na prevenção, fiscalização, investigação, responsabilização e reparação às famílias. Internamente, médicos e o diretor da clínica chegaram a ser denunciados, mas foram absolvidos pela Justiça em 2003, decisão mantida em instâncias superiores.
A denúncia foi levada ao Sistema Interamericano em 2000. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) admitiu o caso em 2008 e concluiu, em relatório de mérito de 2022, que o Brasil violou direitos à vida, à saúde, à infância e à proteção judicial. Em 2024, a CIDH submeteu o processo à Corte.
Se condenado, o Brasil poderá ser obrigado a pagar indenizações, oferecer assistência psicológica, reabrir investigações e adotar medidas para evitar novas mortes em UTIs neonatais.
Voz das famílias
Na audiência desta sexta, mães e familiares relataram as consequências da perda e as dificuldades em buscar respostas.
Helena Gonçalves dos Santos, que perdeu a filha em 1996, contou como sofreu pelas falhas no atendimento no hospital.
“Queríamos estar amamentando e esse direito foi tirado da gente. (…) Não nos deixaram ser mães. Até hoje, ninguém nunca nos ofereceu suporte, ninguém nunca tratou nosso caso. (…) O que a gente queria era ter nossos filhos aqui”, reforçou Helena.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH) julga nesta sexta (26), em Assunção, o caso “Mães de Cabo Frio vs. Brasil”, que apura a morte de 96 recém-nascidos na UTI neonatal da clínica Clipel, no RJ, entre 1996 e 1997.
Ester Vagas
O argentino Cesar Alejandro Nicolas Eboli, pai de um bebê morto na clínica, relatou como foi que ficou sabendo da morte do filho.
“Nosso filho morreu na nossa frente. (…) Chamamos um amigo médico neonatal, que disse que nosso filho tinha sido internado na UTI desnecessariamente, que foi infectado quase imediatamente na entrada da UTI, e que o antibiótico ministrado tinha sido errado”, relembrou.
A advogada Daniela Fichino, que representa as mães, disse que o caso expõe falhas graves de fiscalização.
“Entre 1996 e 97, todas essas mães que estão aqui foram atendidas no Hospital Santa Isabel, cujas dependências funcionava a clínica pediátrica da região dos Lagos. Seus bebês foram internados na UTI Neonatal da Clipel e de lá jamais saíram para os berços que estavam prontos em suas casas. (…) O que o caso ‘Mães de Cabo Frio’ mostra é que a ausência de supervisão estatal em serviços conveniados mata”, disse a advogada.
Quase 100 bebês morreram em UTI neonatal de Cabo Frio
Reprodução/TV Globo

By Marsescritor

MARSESCRITOR tem formação em Letras, é também escritor com 10 livros publicados.