Violência doméstica é nossa culpa – 16/11/2023 – Mariliz Pereira Jorge

No começo da vida adulta, uma amiga me procurou porque tinha sido agredida pelo namorado. Parti para cima dele quando o encontrei, mas pouco depois eles estavam novamente juntos. Quando soube que as agressões continuavam, me afastei. Confesso que, afundada nos preconceitos sobre o assunto na época, entendi que ela “gostava”.
O pensamento dominante ainda projeta a mulher como seu próprio algoz, como se dependessem apenas dela as atitudes para que o ciclo da violência na qual está inserida seja quebrado. Ou seja, é estuprada porque usa saia curta, é espancada porque gosta. Não denuncia porque é fraca, covarde, porque se beneficia. Se é pobre, é ignorante. Se é rica, é acomodada.
Não bastam apenas leis que enquadrem os crimes contra a mulher, é preciso que reconheçamos como sociedade nossa responsabilidade ao perpetuar padrões que normalizam abusos físicos, psicológicos e financeiros. É urgente identificar as falhas de um sistema que ainda não proporciona todas as ferramentas para que vítimas consigam se libertar de relações violentas. É fundamental que todos sejamos agentes dessa transformação.
Inúmeros fatores mantêm a vítima desse machismo institucional refém de relações abusivas. A violência contra mulher não tem CEP, escolaridade ou conta bancária. Ela está presente nas vielas das favelas e nas coberturas de frente para o mar. Atinge mulheres como Ana Hickmann e Rihanna, e de forma ainda mais devastadora entre pobres e da periferia. É uma conta que soma dependência emocional e/ou financeira. O status social, alimentado na sociedade, que não tem nada a ver com dinheiro, mas com a posição dentro de um grupo que as mulheres separadas ainda deixam de ter. Pode parecer paradoxal, mas o medo de mais agressões e, pior, da morte muitas vezes impede que a mulher peça ajuda ou que vá embora. E vergonha. A vergonha de se admitir e de se expor como vítima.
Precisamos estar atentos aos sinais, à luz vermelha que sempre começa a piscar e indica relações recheadas de abusos psicológicos que sempre precedem a violência física. Perguntar, ouvir, acolher, dar informações, não desqualificar o parceiro, respeitar o ritmo da vítima, ter paciência, não abandonar. O mais importante, jamais julgar. Lembre-se, abuso físico e psicológico não é exclusividade de casais heterossexuais. Lésbicas e gays engrossam a estatística e muitas vezes têm ainda mais dificuldade de encontrar acolhimento.
Lamento ter largado a mão daquela amiga no passado, o que jamais faria novamente com qualquer outra pessoa que precise de ajuda para se salvar.
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