Bandeira foi colocada a meio-mastro na Casa Branca após morte de Charlie Kirk
EPA/Shutterstock
O assassinato do influenciador e ativista conservador americano Charlie Kirk, morto por um atirador na semana passada em um campus universitário no Estado de Utah, pode marcar um momento decisivo na longa trajetória de violência política dos Estados Unidos.
Segundo especialistas que estudam o tema, em um momento de extremas divisões, em que muitos americanos sentem ansiedade econômica e cultural, estão desiludidos com o governo e consideram o “outro lado” uma ameaça existencial ao país, há o temor de que o episódio leve a uma espiral de retaliação.
“Não sei se o assassinato de Charlie Kirk muda a trajetória que o país já está seguindo”, diz à BBC News Brasil o historiador político Matthew Dallek, professor da Universidade George Washington, ao lembrar que a violência política vem aumentando na última década.
“O que pode é acelerar essa trajetória, agindo como uma espécie de querosene derramado sobre o que se tornou um incêndio bastante forte”, afirma.
O crime, diante de uma plateia de cerca de 3 mil estudantes, foi o mais recente de uma série de atentados que tiveram como alvo figuras políticas nos últimos meses, em uma onda de violência que muitos comparam à década de 1960.
Aquela era, quando o país passava por profundas transformações, em meio ao movimento dos direitos civis e à Guerra do Vietnã, foi marcada pelos assassinatos de líderes como o presidente John Kennedy, o ícone dos direitos civis Martin Luther King Jr. e o senador Robert F. Kennedy.
“A última vez em que estivemos nesse tipo de momento prolongado de violência política foi nos anos 1960 e início dos anos 1970”, diz Dallek.
Para Dallek, apesar das diferenças entre os dois períodos históricos, “assim como a violência se enraizou na cultura política naquela época, também se enraizou agora”.
Amy Pate, diretora interina e diretora-executiva do National Consortium for the Study of Terrorism and Responses to Terrorism (Consórcio Nacional para o Estudo do Terrorismo e das Respostas ao Terrorismo, ou START, na sigla em inglês), na Universidade de Maryland, destaca duas “diferenças cruciais”.
Segundo Pate, o momento atual é agravado tanto pela influência das redes sociais, que amplificam a polarização e dão destaque às opiniões mais inflamatórias e extremas, quanto pelo fácil acesso a armas com alto grau de letalidade.
“Uma diferença importante é como as mensagens se disseminam”, diz Pate à BBC News Brasil. “Com as redes sociais, as pessoas estão completamente imersas na retórica política, e os algoritmos continuam enviando mais e mais retórica extrema.”
“As pessoas estão vivendo em diferentes realidades midiáticas, e estão consumindo esse conteúdo o dia inteiro. Isso distorce sua percepção da realidade”, observa.
Pate diz que esse contexto deixa vulnerável à radicalização uma parcela muito mais ampla da população atual do que na década de 1960.
“E, ao mesmo tempo, o país está inundado por armas letais, com capacidade para causar um massacre em um período de tempo muito curto, principalmente em situações em que muitas pessoas estão reunidas em um só lugar”, ressalta.
“Isso tudo aumenta tanto o número de pessoas que podem dar o passo para a violência, quanto o dano possível com essa violência”, destaca Pate, citando o risco não apenas de um número maior de assassinatos políticos direcionados a um alvo específico, mas também de ataques com grande número de vítimas.
Tyler Robinson, o suspeito do tiroteio fatal do comentarista conservador americano Charlie Kirk
Reuters
‘Tribalismo furioso’
Dallek considera o nível de violência nos anos 1960 maior do que o atual, mas teme que agora seja mais difícil “nos desvencilharmos” da violência política do que naquela época.
“Uma vez que o movimento dos direitos civis foi integrado à política e à sociedade e que a Guerra do Vietnã chegou ao fim, algumas das fontes que estavam alimentando a violência se dissiparam”, observa.
“E, na época, os partidos eram ideologicamente heterogêneos, havia muito mais bipartidarismo. Hoje temos uma espécie de tribalismo furioso, que é expressado na política partidária. É uma dinâmica diferente e perigosa”, afirma.
“E temos redes sociais que dão poder aos indivíduos para espalhar ódio e apelos à violência, apelos à guerra civil”, completa.
O governador de Utah, o republicano Spencer Cox, comparou as redes sociais ao fentanil em entrevista à rede NBC poucos dias após o assassinato de Kirk.
“Não consigo enfatizar o suficiente o dano que as redes sociais e a internet estão fazendo a todos nós, com seus picos de dopamina”, disse, ao lembrar que há indicações de que o atirador frequentava “lugares obscuros” da internet.
“As mais poderosas empresas da história do mundo descobriram como invadir nossos cérebros, nos viciar em indignação e nos fazer odiar uns aos outros.”
Após a morte de Kirk, líderes de ambos os lados condenaram a violência. Mas as redes sociais foram inundadas por postagens que exemplificam as divisões no país: enquanto supostos internautas de esquerda celebraram o assassinato, outros à direita pediam vingança.
Ainda não há clareza sobre as motivações do acusado, Tyler Robinson, de 22 anos. Conforme documentos do processo tornados públicos na terça-feira (16), ele teria dito em mensagens que havia matado Kirk porque “estava farto de seu ódio”.
De acordo com os documentos, sua mãe disse à polícia que Robinson havia adotado “posições políticas de esquerda” no último ano, especificamente em relação aos direitos LGBTQ.
Kirk, um cristão conservador de 31 anos de idade, fundador do grupo estudantil conservador Turning Point USA e aliado próximo do presidente Donald Trump, era visto como inspiração para uma nova geração de republicanos.
Mas também era considerado uma figura divisiva por críticos à esquerda, que o acusavam de atacar direitos civis, direitos LGBTQ e o feminismo, entre outros temas em que suas declarações eram consideradas polêmicas.
‘Tendência alarmante’
Bandeiras americanas hasteadas a meio-mastro em Washington, por ordem de Trump, após o assassinato de Charlie Kirk
Alessandra Corrêa
Depois do crime, políticos dos dois lados cancelaram eventos públicos, em meio a temores de segurança. A morte de Kirk seguiu vários ataques recentes que tiveram como alvo tanto integrantes da direita quanto da esquerda.
Em junho, a deputada estadual democrata Melissa Hortman, ex-presidente da Câmara dos Representantes do Estado de Minnesota, foi morta ao lado do marido por um atirador disfarçado de policial, que também feriu um senador estadual democrata e sua mulher.
Em abril, o democrata Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, sobreviveu a um ataque em que sua casa foi incendiada enquanto ele e a família dormiam.
No ano passado, durante a campanha eleitoral, o próprio Trump sobreviveu a duas tentativas de assassinato. Em uma delas, foi ferido na orelha por um tiro em um comício. Em outra, um homem armado foi preso perto do clube onde Trump estava jogando golfe.
Entre outros episódios recentes está o ataque em 2022 contra Paul Pelosi, marido da democrata Nancy Pelosi, na época a presidente da Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados). Paul Pelosi foi espancado brutalmente por um homem que invadiu a casa do casal.
No mesmo ano, um homem foi preso por supostamente tentar assassinar o juiz da Suprema Corte Brett Kavanaugh, que foi indicado ao cargo por Trump e é considerado conservador.
Em 6 de janeiro de 2021, uma multidão de apoiadores de Trump invadiu o Capitólio, sede do Congresso americano, depois que o republicano perdeu a eleição de 2020.
Em 2020, um grupo de 13 homens foi preso por supostamente planejar sequestrar a democrata Gretchen Whitmer, governadora do Estado de Michigan.
Em 2017, o deputado federal republicano Steve Scalise foi gravemente ferido em um atentado a tiros durante uma partida de beisebol entre membros do Congresso.
“A tendência é alarmante e muito negativa”, diz à BBC News Brasil o especialista em terrorismo doméstico e internacional William Braniff, diretor-executivo do Laboratório de Pesquisa e Inovação sobre Polarização e Extremismo da American University.
Charlie Kirk durante uma conferência em 2024
Reuters
Dados que mostram o aumento
“O número de casos de violência direcionada (a um alvo específico) e de planos terroristas nos Estados Unidos aumentou 38% nos primeiros seis meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado”, afirma Braniff.
Se contados apenas os atos bem-sucedidos, que mataram ou feriram alguém, o aumento foi de 48%. O número de mortos nesses episódios saltou 28% no período.
“Além do terrorismo mais proeminente, que vem do que frequentemente chamamos de movimentos violentos de extrema-direita, também estamos vendo um aumento no terrorismo vindo de indivíduos com inclinações de esquerda”, salienta Braniff.
Dados do START mostram que, entre os planos ou ataques classificados como terroristas no primeiro semestre, 21 tinham como alvo políticos republicanos, e 10 visavam democratas.
Outros 13 foram “contra manifestantes pacíficos que protestavam contra as políticas de imigração e o governo”, e 20 contra “entidades que realizam operações de aplicação da lei de imigração”.
Segundo Braniff, que foi diretor do Centro de Programas e Parcerias de Prevenção do Departamento de Segurança Interna dos EUA, também é crescente o número de casos em que não há inclinação ideológica clara.
“(Casos em que) não apoiam uma ideologia específica, são simplesmente motivados por ressentimentos, ou têm crenças muito vagas”, afirma. “Há uma tendência geral de ver a violência como solução.”
Pate, do START, vê um aumento “bastante dramático” nos incidentes nos Estados Unidos e cita mais de 150 planos ou ataques terroristas com motivação política identificados no primeiro semestre, em comparação a 83 no mesmo período de 2024.
“Essa violência política não está acontecendo de forma isolada”, salienta. Pate destaca que, quando considerados todos os casos em que há um alvo específico, mesmo que não sejam classificados como terrorismo, o aumento foi de 375 para 523 no período.
“Os Estados Unidos estão em um momento bastante crítico, um período de escalada da violência, violência baseada em ressentimentos, essa espécie de combinação de diferentes tipos de violência”, avalia.
“Estamos (também) vendo a ascensão do que o FBI (a polícia federal dos EUA) chama de extremismo violento niilista, onde há menos o desejo de mudanças políticas e sim um desejo mais genérico de destruir tudo, sem preocupação com o que viria depois”, observa Pate.
Maior tolerância a violência política
Apesar de a maioria dos americanos condenar a violência, diferentes pesquisas indicam que vem aumentando a parcela dos que estão mais tolerantes a ataques com motivação política, de ambos os lados do espectro político.
“Pesquisas de opinião mostram um aumento no número de americanos que acreditam que a violência é justificada em certas circunstâncias”, afirma Dallek.
Segundo Braniff, ataques violentos ou retóricos a um partido político são interpretados cada vez mais como ataques à própria identidade. “Isso torna a questão pessoal, em vez de apenas (uma divergência) política.”
Após o assassinato, Trump ordenou que a bandeira americana fosse hasteada a meio-mastro e anunciou planos de conceder a Kirk a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta honraria civil do país.
Mas, enquanto presidentes anteriores clamaram por união em momentos de crise, analistas consideram a resposta de Trump mais divisiva.
O presidente e alguns membros de seu governo culparam a “esquerda radical” e acusaram grupos de esquerda de “terrorismo doméstico”.
“Infelizmente, nossa cultura atual é altamente polarizada. Líderes políticos não são recompensados por fazerem concessões, e sim por demonizar e desumanizar seus adversários”, diz Braniff.
“Se seus líderes políticos estão lhe dizendo que esta é uma disputa entre o bem e o mal, o certo e o errado, e que é existencial que vençamos esta luta, isso remove todo o espaço para o compromisso e o discurso cívico”, observa Braniff.
Dallek contrasta a resposta de Trump com a de líderes no passado e diz que, na década de 1960, muitos políticos estavam comprometidos em restaurar a calma.
“Não vejo os mecanismos que se esperaria que a democracia americana usasse em um momento como este sendo empregados pelos altos níveis do governo ou por elementos da sociedade civil”, diz Dallek.
Cox, o governador de Utah, ofereceu uma resposta inicial mais comedida. “Acredito plenamente que este é um divisor de águas na história americana”, disse o republicano em entrevista coletiva poucos dias após o assassinato.
“A questão é, que tipo de divisor de águas? Esse capítulo ainda precisa ser escrito. É o fim de um capítulo sombrio em nossa história? Ou é o começo de um capítulo ainda mais sombrio?”
EPA/Shutterstock
O assassinato do influenciador e ativista conservador americano Charlie Kirk, morto por um atirador na semana passada em um campus universitário no Estado de Utah, pode marcar um momento decisivo na longa trajetória de violência política dos Estados Unidos.
Segundo especialistas que estudam o tema, em um momento de extremas divisões, em que muitos americanos sentem ansiedade econômica e cultural, estão desiludidos com o governo e consideram o “outro lado” uma ameaça existencial ao país, há o temor de que o episódio leve a uma espiral de retaliação.
“Não sei se o assassinato de Charlie Kirk muda a trajetória que o país já está seguindo”, diz à BBC News Brasil o historiador político Matthew Dallek, professor da Universidade George Washington, ao lembrar que a violência política vem aumentando na última década.
“O que pode é acelerar essa trajetória, agindo como uma espécie de querosene derramado sobre o que se tornou um incêndio bastante forte”, afirma.
O crime, diante de uma plateia de cerca de 3 mil estudantes, foi o mais recente de uma série de atentados que tiveram como alvo figuras políticas nos últimos meses, em uma onda de violência que muitos comparam à década de 1960.
Aquela era, quando o país passava por profundas transformações, em meio ao movimento dos direitos civis e à Guerra do Vietnã, foi marcada pelos assassinatos de líderes como o presidente John Kennedy, o ícone dos direitos civis Martin Luther King Jr. e o senador Robert F. Kennedy.
“A última vez em que estivemos nesse tipo de momento prolongado de violência política foi nos anos 1960 e início dos anos 1970”, diz Dallek.
Para Dallek, apesar das diferenças entre os dois períodos históricos, “assim como a violência se enraizou na cultura política naquela época, também se enraizou agora”.
Amy Pate, diretora interina e diretora-executiva do National Consortium for the Study of Terrorism and Responses to Terrorism (Consórcio Nacional para o Estudo do Terrorismo e das Respostas ao Terrorismo, ou START, na sigla em inglês), na Universidade de Maryland, destaca duas “diferenças cruciais”.
Segundo Pate, o momento atual é agravado tanto pela influência das redes sociais, que amplificam a polarização e dão destaque às opiniões mais inflamatórias e extremas, quanto pelo fácil acesso a armas com alto grau de letalidade.
“Uma diferença importante é como as mensagens se disseminam”, diz Pate à BBC News Brasil. “Com as redes sociais, as pessoas estão completamente imersas na retórica política, e os algoritmos continuam enviando mais e mais retórica extrema.”
“As pessoas estão vivendo em diferentes realidades midiáticas, e estão consumindo esse conteúdo o dia inteiro. Isso distorce sua percepção da realidade”, observa.
Pate diz que esse contexto deixa vulnerável à radicalização uma parcela muito mais ampla da população atual do que na década de 1960.
“E, ao mesmo tempo, o país está inundado por armas letais, com capacidade para causar um massacre em um período de tempo muito curto, principalmente em situações em que muitas pessoas estão reunidas em um só lugar”, ressalta.
“Isso tudo aumenta tanto o número de pessoas que podem dar o passo para a violência, quanto o dano possível com essa violência”, destaca Pate, citando o risco não apenas de um número maior de assassinatos políticos direcionados a um alvo específico, mas também de ataques com grande número de vítimas.
Tyler Robinson, o suspeito do tiroteio fatal do comentarista conservador americano Charlie Kirk
Reuters
‘Tribalismo furioso’
Dallek considera o nível de violência nos anos 1960 maior do que o atual, mas teme que agora seja mais difícil “nos desvencilharmos” da violência política do que naquela época.
“Uma vez que o movimento dos direitos civis foi integrado à política e à sociedade e que a Guerra do Vietnã chegou ao fim, algumas das fontes que estavam alimentando a violência se dissiparam”, observa.
“E, na época, os partidos eram ideologicamente heterogêneos, havia muito mais bipartidarismo. Hoje temos uma espécie de tribalismo furioso, que é expressado na política partidária. É uma dinâmica diferente e perigosa”, afirma.
“E temos redes sociais que dão poder aos indivíduos para espalhar ódio e apelos à violência, apelos à guerra civil”, completa.
O governador de Utah, o republicano Spencer Cox, comparou as redes sociais ao fentanil em entrevista à rede NBC poucos dias após o assassinato de Kirk.
“Não consigo enfatizar o suficiente o dano que as redes sociais e a internet estão fazendo a todos nós, com seus picos de dopamina”, disse, ao lembrar que há indicações de que o atirador frequentava “lugares obscuros” da internet.
“As mais poderosas empresas da história do mundo descobriram como invadir nossos cérebros, nos viciar em indignação e nos fazer odiar uns aos outros.”
Após a morte de Kirk, líderes de ambos os lados condenaram a violência. Mas as redes sociais foram inundadas por postagens que exemplificam as divisões no país: enquanto supostos internautas de esquerda celebraram o assassinato, outros à direita pediam vingança.
Ainda não há clareza sobre as motivações do acusado, Tyler Robinson, de 22 anos. Conforme documentos do processo tornados públicos na terça-feira (16), ele teria dito em mensagens que havia matado Kirk porque “estava farto de seu ódio”.
De acordo com os documentos, sua mãe disse à polícia que Robinson havia adotado “posições políticas de esquerda” no último ano, especificamente em relação aos direitos LGBTQ.
Kirk, um cristão conservador de 31 anos de idade, fundador do grupo estudantil conservador Turning Point USA e aliado próximo do presidente Donald Trump, era visto como inspiração para uma nova geração de republicanos.
Mas também era considerado uma figura divisiva por críticos à esquerda, que o acusavam de atacar direitos civis, direitos LGBTQ e o feminismo, entre outros temas em que suas declarações eram consideradas polêmicas.
‘Tendência alarmante’
Bandeiras americanas hasteadas a meio-mastro em Washington, por ordem de Trump, após o assassinato de Charlie Kirk
Alessandra Corrêa
Depois do crime, políticos dos dois lados cancelaram eventos públicos, em meio a temores de segurança. A morte de Kirk seguiu vários ataques recentes que tiveram como alvo tanto integrantes da direita quanto da esquerda.
Em junho, a deputada estadual democrata Melissa Hortman, ex-presidente da Câmara dos Representantes do Estado de Minnesota, foi morta ao lado do marido por um atirador disfarçado de policial, que também feriu um senador estadual democrata e sua mulher.
Em abril, o democrata Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, sobreviveu a um ataque em que sua casa foi incendiada enquanto ele e a família dormiam.
No ano passado, durante a campanha eleitoral, o próprio Trump sobreviveu a duas tentativas de assassinato. Em uma delas, foi ferido na orelha por um tiro em um comício. Em outra, um homem armado foi preso perto do clube onde Trump estava jogando golfe.
Entre outros episódios recentes está o ataque em 2022 contra Paul Pelosi, marido da democrata Nancy Pelosi, na época a presidente da Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados). Paul Pelosi foi espancado brutalmente por um homem que invadiu a casa do casal.
No mesmo ano, um homem foi preso por supostamente tentar assassinar o juiz da Suprema Corte Brett Kavanaugh, que foi indicado ao cargo por Trump e é considerado conservador.
Em 6 de janeiro de 2021, uma multidão de apoiadores de Trump invadiu o Capitólio, sede do Congresso americano, depois que o republicano perdeu a eleição de 2020.
Em 2020, um grupo de 13 homens foi preso por supostamente planejar sequestrar a democrata Gretchen Whitmer, governadora do Estado de Michigan.
Em 2017, o deputado federal republicano Steve Scalise foi gravemente ferido em um atentado a tiros durante uma partida de beisebol entre membros do Congresso.
“A tendência é alarmante e muito negativa”, diz à BBC News Brasil o especialista em terrorismo doméstico e internacional William Braniff, diretor-executivo do Laboratório de Pesquisa e Inovação sobre Polarização e Extremismo da American University.
Charlie Kirk durante uma conferência em 2024
Reuters
Dados que mostram o aumento
“O número de casos de violência direcionada (a um alvo específico) e de planos terroristas nos Estados Unidos aumentou 38% nos primeiros seis meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado”, afirma Braniff.
Se contados apenas os atos bem-sucedidos, que mataram ou feriram alguém, o aumento foi de 48%. O número de mortos nesses episódios saltou 28% no período.
“Além do terrorismo mais proeminente, que vem do que frequentemente chamamos de movimentos violentos de extrema-direita, também estamos vendo um aumento no terrorismo vindo de indivíduos com inclinações de esquerda”, salienta Braniff.
Dados do START mostram que, entre os planos ou ataques classificados como terroristas no primeiro semestre, 21 tinham como alvo políticos republicanos, e 10 visavam democratas.
Outros 13 foram “contra manifestantes pacíficos que protestavam contra as políticas de imigração e o governo”, e 20 contra “entidades que realizam operações de aplicação da lei de imigração”.
Segundo Braniff, que foi diretor do Centro de Programas e Parcerias de Prevenção do Departamento de Segurança Interna dos EUA, também é crescente o número de casos em que não há inclinação ideológica clara.
“(Casos em que) não apoiam uma ideologia específica, são simplesmente motivados por ressentimentos, ou têm crenças muito vagas”, afirma. “Há uma tendência geral de ver a violência como solução.”
Pate, do START, vê um aumento “bastante dramático” nos incidentes nos Estados Unidos e cita mais de 150 planos ou ataques terroristas com motivação política identificados no primeiro semestre, em comparação a 83 no mesmo período de 2024.
“Essa violência política não está acontecendo de forma isolada”, salienta. Pate destaca que, quando considerados todos os casos em que há um alvo específico, mesmo que não sejam classificados como terrorismo, o aumento foi de 375 para 523 no período.
“Os Estados Unidos estão em um momento bastante crítico, um período de escalada da violência, violência baseada em ressentimentos, essa espécie de combinação de diferentes tipos de violência”, avalia.
“Estamos (também) vendo a ascensão do que o FBI (a polícia federal dos EUA) chama de extremismo violento niilista, onde há menos o desejo de mudanças políticas e sim um desejo mais genérico de destruir tudo, sem preocupação com o que viria depois”, observa Pate.
Maior tolerância a violência política
Apesar de a maioria dos americanos condenar a violência, diferentes pesquisas indicam que vem aumentando a parcela dos que estão mais tolerantes a ataques com motivação política, de ambos os lados do espectro político.
“Pesquisas de opinião mostram um aumento no número de americanos que acreditam que a violência é justificada em certas circunstâncias”, afirma Dallek.
Segundo Braniff, ataques violentos ou retóricos a um partido político são interpretados cada vez mais como ataques à própria identidade. “Isso torna a questão pessoal, em vez de apenas (uma divergência) política.”
Após o assassinato, Trump ordenou que a bandeira americana fosse hasteada a meio-mastro e anunciou planos de conceder a Kirk a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta honraria civil do país.
Mas, enquanto presidentes anteriores clamaram por união em momentos de crise, analistas consideram a resposta de Trump mais divisiva.
O presidente e alguns membros de seu governo culparam a “esquerda radical” e acusaram grupos de esquerda de “terrorismo doméstico”.
“Infelizmente, nossa cultura atual é altamente polarizada. Líderes políticos não são recompensados por fazerem concessões, e sim por demonizar e desumanizar seus adversários”, diz Braniff.
“Se seus líderes políticos estão lhe dizendo que esta é uma disputa entre o bem e o mal, o certo e o errado, e que é existencial que vençamos esta luta, isso remove todo o espaço para o compromisso e o discurso cívico”, observa Braniff.
Dallek contrasta a resposta de Trump com a de líderes no passado e diz que, na década de 1960, muitos políticos estavam comprometidos em restaurar a calma.
“Não vejo os mecanismos que se esperaria que a democracia americana usasse em um momento como este sendo empregados pelos altos níveis do governo ou por elementos da sociedade civil”, diz Dallek.
Cox, o governador de Utah, ofereceu uma resposta inicial mais comedida. “Acredito plenamente que este é um divisor de águas na história americana”, disse o republicano em entrevista coletiva poucos dias após o assassinato.
“A questão é, que tipo de divisor de águas? Esse capítulo ainda precisa ser escrito. É o fim de um capítulo sombrio em nossa história? Ou é o começo de um capítulo ainda mais sombrio?”