Muçulmano, tiktoker e socialista, Zohran Mamdani vira estrela e nome forte do Partido Democrata em eleição para prefeito de NYMuçulmano, tiktoker e socialista, Zohran Mamdani vira estrela e nome forte do Partido Democrata em eleição para prefeito de NY
Zohran Mamdani, o socialista, muçulmano e tiktoker favorito à prefeitura de Nova York
Embora Nova York seja a cidade mais famosa dos Estados Unidos, raramente a eleição para a prefeitura local, que ocorre na terça-feira (4), recebe atenção mundial.
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Isso até Zohran Mamdani, de 34 anos, até então pouco conhecido deputado estadual socialista, anunciar, pelo Tiktok e enquanto corria uma maratona, sua candidatura a prefeito, no início de junho, semanas antes das primárias do Partido Democrata.
Carismático e com linguagem direta e informal, ele abocanhou não só a vitória nas primárias democratas, derrotando o experiente ex-prefeito nova-iorquino Andrew Cuomo, com 56% dos votos. Mamdani também se tornou assunto único e a grande promessa de renovação do Partido Democrata —que governa Nova York desde 2014.
“Eu mal havia ouvido falar de Mamdani, e não sabia que ele ia concorrer à prefeitura até ele aparecer no ‘feed’ do meu Instagram e Tiktok”, disse ao podcast “The Ezra Klein Show”, do jornal “The New York Times”, o escritor nova-iorquino Chris Hayes, autor do livro de política norte-americana “O Canto da Sereia”, sobre narrativas políticas para ganhar atenção dos eleitores.
A candidatura de Mamdami causou um terremoto no Partido Democrata. Derrotado nas primárias, Cuomo, de 67 anos, decidiu se lançar como candidato independente —na semana passada, recebeu apoio do atual prefeito Eric Adams, que desistiu de disputar a reeleição (leia mais abaixo).
É muçulmano e declaradamente de esquerda. Sobre a sua fé, disse, em discurso, em 24 de outubro, que não viveria mais “nas sombras”. “O sonho de todo muçulmano é simplesmente ser tratado da mesma forma que qualquer outro novaiorquino. No entanto, por muito tempo, nos disseram para pedir menos do que isso e para nos contentarmos com o pouco que recebemos. Chega.”
A atenção que Mamdani conseguiu em sua cidade, no país e no mundo, diz Hayes, usa uma estratégia que apenas outro político norte-americano conseguiu aplicar com sucesso: Donald Trump.
➡️ Ambos, segundo o escritor, conquistaram eleitores com discursos afiados e explorando de forma certeira suas redes sociais. Os vídeos de Mamdani no Tiktok, onde ele tem 1,6 milhão de seguidores, alcançaram 23,6 milhões de curtidas, por exemplo.
A grande diferença é o espectro em que cada um se encontra.
Trump, que já chamou Mamdani de um “lunático comunista” (leia mais abaixo), se elegeu com promessas de caçar e expulsar imigrantes em situação irregular nos EUA, o que ele vem cumprindo.
Já o candidato democrata é um imigrante africano socialista que, em vídeos irreverentes e com capricho estético, defende pautas sociais como supermercados subsidiados, a gratuidade do transporte público e de creches escolares gratuitas e o congelamento do aluguel de quase um milhão de nova-iorquinos.
Nascido em Uganda, filho de imigrantes
O candidato do Partido Democrata, Zohran Mamdani, em evento de campanha em NY
Ryan Murphy/Reuters
Nascido em Kampala, capital de Uganda, o jovem de 34 anos é filho de mãe indiana — a cineasta Mira Nair, conhecida no meio do cinema independente e premiada nos festivais de Cannes e Veneza — e pai ugandês.
Mas Zohran Kwame Mamdani foi criado em Nova York e, além de ser fluente em seis idiomas — inglês, hindi, bengali, urdu, árabe e espanhol —, fala a “língua” nova-iorquina. Para angariar votos, entendeu como conquistar um valioso eleitorado que se situa longe dos extremos de pobreza e riqueza da cidade.
Segundo pesquisas de intenção de voto, Zohran Mamdani é o favorito incontestável entre nova-iorquinos que trabalham e têm poder de compra, mas enfrentam dificuldades por conta do alto custo de vida de Nova York, principalmente o de moradia.
Crise imobiliária como plataforma
Cartaz de apoio a Zohran Mamdani neste sábado (1) em Nova York
Ryan Murphy/Reuters
O preço dos aluguéis e a escassez de residências são problemas generalizados na cidade mais populosa dos Estados Unidos – o que faz com que, além de ter um perfil progressista e receptivo a pautas do gênero, os eleitores de Mamdani também sintam na pele a crise habitacional.
Em junho, o aluguel médio em Nova York superou, pela primeira vez, o valor de US$ 4 mil (cerca de R$ 21,8 mil), segundo o site imobiliário StreetEasy. O valor é mais que o dobro da média das cidades norte-americanas.
Mamdani propõe congelar o preço dos aluguéis para dois milhões de inquilinos na cidade e construir novas moradias, em um discurso apontado como a grande alavanca de sua campanha, feita em grande parte pelo Tiktok.
Mas sua plataforma inclui ainda propostas contra desigualdade, o racismo e o preconceito à população muçulmana e a favor de ações para a população LGBTQIA+.
Ele defendeu ainda taxar progressivamente grandes fortunas —mas, segundo o jornal “The New York Times”, se mostrou aberto a negociar a respeito.
“Francamente, eu não acho que deveríamos ter milionários”, disse o democrata durante sua campanha, em uma crítica direta aos maiores doadores do Partido Democrata.
Em seus vídeos e em atos de campanha, Mamdani não hesita em desafiar orientações de sua sigla. É bastante crítico, por exemplo, das ações de Israel na Faixa de Gaza, tocando em um ponto sensível para a grande população de judeus nova-iorquinos, eleitores clássicos democratas.
Ao “The New York Times”, líderes conservadores e democratas descreveram Mamdani como sendo muito de esquerda para atrair eleitores fora da cidade de Nova York, um reduto democrata. Seus adversários trataram as suas ideias como pouco realistas e perigosas do ponto de vista fiscal.
Reação dos adversários
O discurso acabou gerando reações por parte da ala mais tradicional da sigla, como o atual prefeito de Nova York, Eric Adams. Na semana passada, Adams declarou apoio a Andrew Cuomo. E pediu que os eleitores “não confiem” em Mamdani.
“Mamdani não respeita o Departamento de Polícia de Nova York (NYPD) e não trata a sua segurança como uma verdadeira prioridade”, disse Adams, também ex-policial. A segurança, aliás, é a principal bandeira de Cuomo —ele propõe, por exemplo, aumentar o número de policiais nas ruas.
Os apoiadores de Cuomo, independente cujo slogan é “Diga não a Zo [do primeiro nome do adversário, Zohran]”, chamam Mamdani de “extremista islâmico”. O candidato fez pouco para desencorajá-los —disse não ser responsável pelas palavras de terceiros—, o que gerou acusações de que sua campanha abraçou a islamofobia.
Apoiado por doadores bilionários, Cuomo pressionou o terceiro candidato da disputa, Curtis Sliwa, de 71 anos, do Partido Republicano, a desistir da eleição —a ideia era aumentar as chances de vencer a eleição. Sliwa se recusou.
Para os republicanos, aliás, o discurso afiado do candidato democrata virou um prato cheio. Mamdani se tornou um dos principais alvos de ataques de trumpistas feitos nas redes sociais, principalmente nas últimas semanas, com a aproximação da votação.
Antes disso, o próprio Trump já disse que não vai “permitir” que o filho de indianos chegue ao poder em Nova York.
“Como presidente dos Estados Unidos, não vou deixar esse lunático comunista destruir Nova York. Fiquem tranquilos: eu tenho todos os controles e todas as cartas na mão. Vou salvar a cidade e torná-la ‘quente’ e ‘grandiosa’ novamente, exatamente como fiz com os bons e velhos EUA”, escreveu Trump em julho.
Zohran Mamdani discursa ao lado de lideranças muçulmanas em centro islâmico no Bronx, em Nova York
Ted Shaffrey/ AP
Sobre os ataques dos adversários, Mamdani disse, no mesmo discurso de 24 de outubro, no Centro Islâmico do Bronx:
“Ontem, Andrew Cuomo riu e concordou quando um apresentador de rádio disse que eu comemoraria outro 11 de Setembro. Ontem, Eric Adams disse que ‘não podemos deixar nossa cidade se tornar a Europa’. Ele me comparou a extremistas violentos e mentiu repetidamente ao dizer que nosso movimento busca incendiar igrejas e destruir comunidades. No dia anterior, Curtis Sliwa me caluniou em um debate, afirmando que eu apoio a ‘jihad global’ “Independentemente do que digam, ainda existem certas formas de ódio que são aceitáveis ​​nesta cidade”, afirmou.
As pesquisas mais recentes apontam que Mamdami lidera as intenções de voto, seguido de Cuomo e Sliwa. Havia, em fevereiro, 5,1 milhões de eleitores registrados em Nova York, segundo a Associated Press; a cidade tem 8,4 milhões de habitantes. A votação ocorre em turno único —pelo sistema local, é possível também votar a distância, processo iniciado neste sábado (1º).
O novo prefeito de Nova York assume o cargo em 1º de janeiro de 2026.
Mamdani (Partido Democrata), Cuomo (independente) e Sliwa (Partido Republicano), candidatos a prefeito de NY
Montagem/Reuters

By Marsescritor

MARSESCRITOR tem formação em Letras, é também escritor com 10 livros publicados.