Nazista que aparece apontando arma para a cabeça de judeu em foto icônica é identificado após mais de 80 anosNazista que aparece apontando arma para a cabeça de judeu em foto icônica é identificado após mais de 80 anos
Estudo que revelou local onde a fotografia foi tirada foi o primeiro passo para identificar nazista que matou judeu na Ucrânia
imago images/Reinhard Schultz via DW
Até a primavera europeia de 1942, 100.000 pessoas – principalmente judeus – haviam sido assassinadas pelos nazistas do Comando C na Ucrânia.
Entre elas, um homem com cabelos volumosos e maçãs do rosto salientes, vestindo um sobretudo e agachado à beira de uma vala com um olhar resignado, segundos antes de ser baleado.
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Os muitos cadáveres à sua frente e o atirador segurando a pistola atrás não deixavam dúvidas: ele sabia que iria morrer. Até hoje não se sabe quem é esse homem que foi morto. No entanto, recentemente, pesquisadores conseguiram identificar o autor do crime – com uma probabilidade de 99%.
O homem que segura a arma em uma “pose descontraída”, com “indiferença performática” e “naturalidade processual” é muito provavelmente Jakobus Onnen, da SS (Schutzstaffel ou esquadra de proteção), o braço armado do partido nazista, e a foto é provavelmente um “troféu nazista”, segundo o historiador alemão Jürgen Matthäus.
As descobertas de Matthäus, que já chefiou o departamento de pesquisa do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, foram publicadas recentemente na revista especializada Zeitschrift für Geschichtswissenschaft da editora Metropol.
“Esse é um passo importante que nos aproxima da realidade histórica do Holocausto. São momentos em que os historiadores, se me permitem generalizar, pensam: aqui eu ampliei os limites do nosso conhecimento”, argumenta o historiador.
A foto em questão, intitulada “O último judeu em Vinnytsia”, tornou-se uma das imagens mais conhecidas do Holocausto desde que surgiu, em 1961, durante o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann em Israel. Mas, até agora, pouco se sabia sobre a fotografia, e algumas das informações disponíveis acabaram se revelando falsas.
A história da imagem
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De acordo com a agência de notícias United Press International, que divulgou a imagem na época, a fotografia pertenceria ao sobrevivente do Holocausto Al Moss, que vivia em Chicago. Ele teria recebido a foto em 1945, após sua libertação pelas tropas americanas em Munique, e a entregou à agência.
No entanto, durante muito tempo a imagem foi identificada incorretamente. Apenas em 2023, Matthäus descobriu que a fotografia não havia sido feita em algum momento entre 1941 e 1943 em Vinnytsia, na Ucrânia, como se pensava inicialmente, mas sim em Berdychiv, a cerca de 150 quilômetros a sudoeste de Kiev.
A descoberta foi resultado de uma feliz coincidência. Há alguns anos, o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, em Washington, recebeu os diários de guerra do soldado austríaco Walter Materna, membro da Wehrmacht (Forças Armadas do regime nazista), que em 1941 estava estacionado em Berdychiv.
Neles, havia uma cópia dessa mesma foto, mas com qualidade significativamente melhor do que a cópia conhecida até então. No verso, estava escrito: “Final de julho de 1941. Execução de judeus pela SS na fortaleza de Berdychiv. 28 de julho de 1941”.
Uma anotação no diário de Materna, com a mesma data, na qual ele descreve o assassinato de centenas de judeus na mesma vala, reforçou a tese de que o local do crime não era Vinnytsia, mas sim Berdychiv.
Matthäus publicou os resultados de sua pesquisa sobre os diários de Materna no final de 2023 na revista especializada Holocaust and Genocide Studies. Na época, o jornal alemão Die Welt pulicou uma reportagem sobre a descoberta.
Inteligência coletiva ajudou na identificação
Devido a essas publicações, Matthäus recebeu várias dicas de leitores que afirmavam ter reconhecido o criminoso. Uma delas veio de um professor aposentado do ensino médio, que escreveu que a “horripilante imagem” impacta há décadas a sua família, “porque mostra um membro da SS que se parece com um tio da minha esposa, irmão de sua mãe… Um tio que, como membro do Comando C, estava ‘no local’ na época em questão”, escreveu Matthäus na Revista de Historiografia.
O referido tio da esposa do professor é Jakobus Onnen, nascido em 1906 na localidade de Tichelwarf, na Frísia Oriental, perto da fronteira da Alemanha com a Holanda. Ele estudou francês, inglês e educação física em Göttingen para se tornar professor e depois lecionou na Escola Colonial Alemã em Witzenhausen.
Em 1931, ele entrou na SA (Sturmabteilung, a organização paramilitar do partido nazista) e, um ano depois, foi para a SS. No início de junho de 1941, ele passou a fazer parte do Comando C, que assassinou centenas de milhares de judeus na Europa Oriental.
“Jakobus Onnen vinha de uma família de classe média, seu pai era professor e morreu cedo. Ele teve que cuidar dos irmãos desde muito jovem. Queria seguir os passos do pai e se tornar professor”, afirma Matthäus.
Nessa época, já estava impregnado pela ideologia nazista, e seus estudos em Göttingen foram claramente influenciados pelo movimento estudantil nacional-socialista.”
Onnen nunca foi investigado porque morreu durante a Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1943. Além disso, sua irmã destruiu as suas cartas de guerra, impossibilitando qualquer reconstrução.
O professor que reconheceu o parente enviou para Matthäus fotografias antigas de Onnen. Com ajuda de um software de reconhecimento facial e de especialistas em inteligência artificial (IA), as imagens foram comparadas e foi possível determinar com alta probabilidade que Onnen é realmente o nazista da imagem de 1941.
Vítimas talvez nunca sejam identificadas
O nome e os detalhes biográficos do atirador são conhecidos. Mas, como em diversos outros casos, a vítima continua anônima, ainda que seu rosto seja facilmente reconhecível na imagem. Para Matthäus, isso não surpreende, pois os nazistas não registraram os nomes dos executados na Europa Oriental, ao contrário do que fizeram com as deportações a partir da Europa Ocidental.
“A maioria das vítimas do Holocausto no Leste Europeu permanece anônima, o que era o objetivo dos perpetradores. Ao longo do tempo, foram realizados enormes esforços para tirar o anonimato das vítimas, mas provavelmente nunca conseguiremos identificar muitos pelo nome. Grande parte desse trabalho foi realizado pelos próprios sobreviventes, que identificaram pessoas com base em fotos, memórias ou depoimentos de testemunhas”, diz Matthäus.
Apesar disso, o historiador está “cautelosamente otimista” de que, com a ajuda da colaboração interdisciplinar, da inteligência coletiva e da IA, vítimas também possam ser identificadas algum dia. Para o especialista, a colaboração entre humanos e a IA abre muitas portas para pesquisas futuras.
“Se isso foi possível para essa foto, então também é possível para cartas, diários e outros documentos. Acho que depende muito do grau de entusiasmo da sociedade por essas novas possibilidades. Não apenas pesquisadores e políticos, mas também indivíduos e famílias”, conclui o historiador.

By Marsescritor

MARSESCRITOR tem formação em Letras, é também escritor com 10 livros publicados.