Por que acordo para cessar-fogo em Gaza ainda não é o fim da guerraPor que acordo para cessar-fogo em Gaza ainda não é o fim da guerra
Palestinos comemoram após o anúncio.
Reuters via BBC
O cessar-fogo e o acordo de reféns entre Israel e o Hamas, anunciados na quarta-feira (08/10) após intensas negociações no Egito, representam um avanço aguardado na tentativa de encerrar a guerra de dois anos em Gaza.
Ainda assim, não há garantia de que o conflito termine.
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A principal diferença nesses esforços tem sido o envolvimento pessoal do presidente dos EUA, Donald Trump, que pressionou não apenas o Hamas mas também Israel. Esta é uma vitória diplomática para Trump, que busca ser reconhecido como o responsável pelo fim da guerra.
Israel iniciou a guerra em Gaza em resposta aos ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023, quando cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas, a maioria civis israelenses, e 251 foram feitas reféns.
A ofensiva militar de Israel matou mais de 67 mil palestinos, a maioria da população civil, incluindo mais de 18 mil crianças, de acordo com o Ministério da Saúde do território, controlado pelo Hamas. Os números são considerados confiáveis pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outros organismos internacionais. A ação destruiu grande parte do território e provocou uma crise humanitária catastrófica.
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O que foi acordado corresponde à primeira fase de um plano anunciado por Trump na Casa Branca na semana passada, juntamente com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que já foi acusado de sabotar os esforços para um acordo no passado.
Desta vez, Trump, supostamente impaciente e irritado com Netanyahu, parece ter usado o poder que só os americanos têm para influenciar Israel, deixando Netanyahu sem outra opção a não ser se envolver no processo.
Ameaçado por Trump com “obliteração completa”, o Hamas também estava sob intensa pressão. Países árabes e muçulmanos abraçaram o plano do presidente, e houve forte envolvimento do Egito, Catar e Turquia nas negociações.
Os detalhes do acordo ainda não foram divulgados, mas o esboço prevê a libertação imediata dos 20 reféns que se acreditava estarem vivos, possivelmente já no domingo, enquanto os restos mortais de até 28 reféns mortos serão devolvidos em etapas.
Centenas de prisioneiros palestinos serão libertados das prisões israelenses, as tropas israelenses se retirarão de partes de Gaza e haverá um aumento na ajuda humanitária que entra no território.
A pressão por um acordo aumentou após a tentativa frustrada de Israel de assassinar altos funcionários do Hamas, incluindo participantes das negociações em Doha, capital do Catar, no mês passado, que provocou revolta na região, inclusive entre aliados importantes na ONU. A equipe de Trump teria identificado nessa situação uma oportunidade.
Trump expressou publicamente seu desejo de receber o Prêmio Nobel da Paz, que será anunciado na sexta-feira (10/10), prazo que poderia ter norteado as negociações. Nas redes sociais, ele usou sua hipérbole habitual, chamando-o de “evento histórico e sem precedentes” e os “primeiros passos em direção a uma paz forte, duradoura e eterna”.
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Este é, sem dúvida, um momento significativo, mas não garante que um acordo de paz para Gaza será alcançado. Detalhes cruciais ainda precisam ser definidos, como a principal exigência israelense de desarmamento do Hamas, a extensão da retirada de tropas israelenses e o plano para o governo de Gaza.
Em Gaza, os palestinos comemoraram o anúncio no meio da noite, na esperança de que isso encerrasse seu sofrimento. Em Tel Aviv, em Israel, moradores se reuniram na Praça dos Reféns, símbolo da dor provocada pelos sequestros.
O Hamas sabe que, ao liberar os reféns, perderá influência nas negociações. O grupo exigiu garantias de que Israel não retomará os combates após a libertação, mas há motivos para desconfiar: em março deste ano, Israel rompeu um cessar-fogo e lançou ataques aéreos devastadores.
Em Israel, país exausto pelo conflito, pesquisas de opinião pública indicam que a maioria da população deseja o fim da guerra. Há crescente consciência sobre os danos causados à imagem internacional do país e seu isolamento. Retomar os combates, sob pressões internas e externas, parece menos provável.
Ainda assim, Netanyahu pode enfrentar obstáculos políticos. Ele conta com o apoio de ministros ultranacionalistas que ameaçaram deixar a coalizão em caso de acordo, fator que pode tê-lo levado a prolongar o conflito. Uma eleição deve ocorrer até o final de outubro de 2026, o que tende a reduzir, com o tempo, o receio de um colapso do governo.
Netanyahu prometeu alcançar uma “vitória total” contra o Hamas, e qualquer acordo terá de permitir que ele sustente essa narrativa. Chamou o anúncio de uma “vitória diplomática, nacional e moral para o Estado de Israel”. Ao contrário do Hamas, porém, sua declaração não mencionou o fim da guerra.

By Marsescritor

MARSESCRITOR tem formação em Letras, é também escritor com 10 livros publicados.