Venezuelanos que chegam ao Brasil temem conflito com os EUA, mas preocupação ainda é 'pão de cada dia'<div>Venezuelanos que chegam ao Brasil temem conflito com os EUA, mas preocupação ainda é 'pão de cada dia'</div>
Venezuelanos temem conflito com EUA, mas maior preocupação é o ‘pão de cada dia’
“Já existe uma guerra psicológica para conseguir o pão de cada dia”, diz Davi Gonzales, 23 anos, açougueiro. Migrantes que entram no Brasil por Roraima temem um conflito entre Estados Unidos e Venezuela, mas afirmam que a prioridade é sobreviver: garantir comida, emprego e educação.
🗺️ Estados Unidos e Venezuela vivem um período de forte tensão. O presidente norte-americano, Donald Trump, enviou navios e militares para operações perto da costa venezuelana com o argumento de combater o narcotráfico. Os EUA também ofereceram recompensa por líderes do governo de Nicolás Maduro, o que elevou a pressão diplomática.
👉 A Venezuela, em resposta, denunciou ameaças à sua soberania e chegou a decretar estado de exceção diante da possibilidade de um ataque, reforçando o clima de instabilidade.
🔎 Apesar das declarações mais duras, não há guerra declarada entre os dois países. O cenário atual envolve operações militares dos EUA, sanções, acusações mútuas e incertezas políticas, fatores que alimentam o medo entre venezuelanos.
Enquanto isso, venezuelanos continuam fugindo da crise econômica. Desde 2015, Roraima se tornou a principal porta de entrada dessa migração no Brasil. Mais de 1 milhão de pessoas já cruzaram a fronteira, e mais da metade permaneceu no Brasil, atraída pelas políticas de acolhimento e interiorização.
O g1 esteve em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, e ouviu migrantes recém-chegados. Eles afirmam que as preocupações no país são mais urgentes que a possibilidade de guerra. Em dezembro, como ocorre todos os anos, o movimento na fronteira foi menor, diferente de períodos de fluxo intenso.
Infográfico – Fronteira do Brasil com a Venezuela
Arte/g1
Davi é natural de Guárico, na Venezuela, e mora há cinco anos em Florianópolis, Santa Catarina. Ele conversou com o g1 logo após deixar a Venezuela, onde esteve apenas para “expulsar invasores” da casa onde vivia.
Ele relata ouvir comentários sobre tensão e medo de conflito com os EUA, mas afirma que, na prática, enfrenta outra “guerra”: a luta diária para sobreviver.
“Temos que nos preocupar com que está acontecendo agora, nesse momento. A vida tá muito difícil. Agora eu volto pra trabalhar no frigorífico e seguir minha vida”, disse.
Fluxo de venezuelanos na fronteira
Davi Gonzales, 23 anos, migrante venezuelano esperando atendimento na fronteira do Brasil com a Venezuela
Caíque Rodrigues/g1 RR
Segundo a Plataforma de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela, da Organização das Nações Unidas (ONU), aumentou entre agosto e outubro deste ano a entrada em Pacaraima de servidores públicos venezuelanos, homens que viajam sozinhos e indígenas.
O período coincide com as eleições municipais na Venezuela e com o início das tensões entre o país e os Estados Unidos.
O g1 teve acesso com exclusividade a um e-mail enviado pela plataforma às organizações que atuam na migração. O documento afirma que o aumento pode estar “ligado às tensões militares atuais entre os Estados Unidos e a Venezuela”.
“Os perfis observados incluem indivíduos que fogem de perseguição e recrutamento forçado”, consta no documento.
Dados da plataforma mostram que, entre 2022 e 2025, há tendência de queda nas saídas de venezuelanos do Brasil nos meses de setembro e outubro. Ou seja: menos venezuelanos deixam o país pela fronteira de Roraima nesse período.
Considerando apenas setembro, o número de migrantes que retornam à Venezuela caiu 17,5% entre 2022 e 2025.
‘Tenho medo que vire uma terceira guerra mundial’
Da esquerda para a direita: Roxana Ampara, 28 anos, e filhos; Olman da Silva, 36 anos; Rennie Castillo, 42 anos
Caíque Rodrigues/g1 RR
A cozinheira Roxana Ampara, 28 anos, chegou ao Brasil no dia 5 de dezembro deste ano com os dois filhos, de 6 e 3 anos, após deixar o estado de Anzoátegui. Ela conta que a tensão entre os países é sentida nas ruas, em conversas e no clima de incerteza.
“Sim, eu tenho medo… medo de acontecer uma guerra. Até uma terceira guerra mundial. Isso assusta muito. Às vezes o ambiente fica tenso. Há dias mais tranquilos e outros mais difíceis. Mas o clima está quente por lá”, afirmou a cozinheira.
Roxana deixou para trás parte da família, mas seguiu porque acredita que no Brasil os filhos terão mais oportunidades.
‘Precisamos falar de liberdade’
O ex-policial Olman da Silva, 36 anos, de Puerto Ayacucho, está em Roraima há uma semana. Ele descreve a Venezuela como um ambiente onde medo e censura são constantes — e onde qualquer comentário sobre política pode trazer consequências.
“Tem confusão. Mas não podemos falar muito. Se falamos mais do que devemos, dizem que estamos contra o governo e isso causa dificuldade para a nossa família… até pra acessar comida”.
Apesar disso, ele admite que a situação com os EUA provoca inquietação. Para Olman, porém, a decisão de sair não foi motivada pela tensão internacional, mas pela exaustão de viver sem salário suficiente e sem perspectiva
“A intriga sempre surge: o que vai acontecer amanhã? O que vai vir depois? É difícil deixar sua terra. Só vem quem realmente não tem outra saída”.
‘Quem sofre é o inocente’
Vindo do Estado de Aragua, o técnico Rennie Castillo, 42 anos, viajou dois dias e chegou dia 10 de dezembro em Pacaraima. Ele diz que, sobre política internacional, “cada um fala uma coisa”, mas entende que, se houver crise, as consequências recairão sobre os mais vulneráveis.
“Se tiver problema entre EUA e Venezuela, quem paga é o inocente. Quem não tem nada a ver”, afirmou.
Rennie também afirma que homens temem ser convocados sem saber por quê. Ainda assim, ele reforça que decidiu migrar por causa da economia — e não pelo risco de conflito.
“Um homem já nem sabe por que vai lutar. Te pegam [Exército] e pronto. Você nem sabe o motivo”, afirmou.
Somente em 2025, mais de 96 mil migrantes entraram no Brasil por Roraima, segundo a ONU.
Veja mais imagens da fronteira do Brasil com a Venezuela
Migrante venezuelano esperando atendimento na fronteira do Brasil com a Venezuela
Caíque Rodrigues/g1 RR
Roupas de migrantes venezuelano secando na fronteira
Caíque Rodrigues/g1 RR
Bandeira do Brasil com a Venezuela na fronteira
Caíque Rodrigues/g1 RR
Leia outras notícias do estado no g1 Roraima.

By Marsescritor

MARSESCRITOR tem formação em Letras, é também escritor com 10 livros publicados.